Duas maneiras pelas quais as empresas de tecnologia geralmente tentam melhorar suas culturas para as mulheres são por meio de programas de orientação e treinamento, mas esses programas geralmente não cumprem todos os objetivos propostos. O treinamento de preconceito inconsciente tenta combater o preconceito no local de trabalho, mas estudos apontam que esse treinamento pode, na melhor das hipóteses, ser ineficaz e, na pior, exacerbar o preconceito. Os programas de orientação e desenvolvimento visam aumentar as habilidades e a confiança das mulheres para ajudá-las a avançar, mas as mulheres continuam sub representadas na liderança.
Em uma pesquisa recentemente publicada em Gender & Society, Alison Wynn conduziu, durante um ano, um estudo de caso aprofundado de uma grande empresa de tecnologia do Vale do Silício, implementando uma iniciativa de igualdade de gênero, que incluía treinamentos tendenciosos inconscientes e programas de orientação. Descobriu-se que esses programas tendem a culpar as pessoas pela desigualdade e pela responsabilidade de resolvê-la.
Eles estão enraizados na crença de que se os homens podem ser ensinados a limitar o viés inconsciente (principalmente ao tomar decisões importantes, como contratação e promoção), e as mulheres podem ser ensinadas a se comportar de maneira mais assertiva e demonstrar habilidades valiosas (por meio da orientação), então talvez as desigualdades de gênero podem ser reduzidas. Mas esse pensamento falha em fazer uma coisa importante: responsabilizar a organização pelo papel que ela desempenha na causa da desigualdade.
Além disso, pesquisas anteriores mostram que as organizações contribuem para a desigualdade de várias maneiras: através da contratação de indicações, critérios subjetivos de avaliação que abrem as portas para preconceitos durante as avaliações de desempenho e pela falta de transparência e responsabilidade nas decisões salariais que levam à injustiça em quem é recompensado.
Alison relata que se as empresas de tecnologia desejam atrair e reter mulheres, elas não podem culpar os indivíduos, mas precisam reconhecer o papel que suas políticas e cultura desempenham no âmbito da desigualdade e precisam buscar mudanças organizacionais. A implementação de estratégias de recrutamento mais amplas, critérios específicos e mensuráveis de avaliação de desempenho e procedimentos transparentes para a atribuição de remuneração contribuirá bastante para reduzir a desigualdade de gênero em tecnologia.
Para estudar como a empresa abordou a igualdade de gênero foram conduzidas 50 entrevistas detalhadas com 37 executivos de alto nível em todos os departamentos, com foco nos executivos responsáveis pela implementação da iniciativa de igualdade de gênero da empresa. Foram observados, além disso, 80 reuniões vinculadas à iniciativa, treinamentos, reuniões de desenvolvimento da carreira das mulheres e reuniões de planejamento interdepartamental.
Como resultado, observou-se que os executivos tendem a se concentrar em ensinar as mulheres a se ajustarem ao molde existente, a fim de avançar na liderança sênior, ao invés de instigá-las a pensar em como podem inovar e mudar o molde. Os executivos também enfatizaram os esforços para treinar os funcionários a reconhecer e restringir seus próprios preconceitos. Por exemplo, Daniel, executivo de um departamento técnico, relatou que se opunha à implementação de cotas na contratação e promoção e preferia abordagens que dependem de indivíduos monitorando seus próprios vieses.
O argumento problemático do “pipeline”
Ouvi frequentemente o chamado argumento “pipeline”: a ideia de que meninas e mulheres jovens não tem o mesmo interesse ou talento para a tecnologia que meninos e homens jovens, o que causa desigualdades mais tarde em suas carreiras. Essa linha de pensamento localiza a fonte do problema fora da organização, em fatores culturais maiores. Embora os fatores culturais contribuam de certa forma, o foco neles fez com que alguns executivos fossem derrotistas e complacentes, pois acreditavam que a organização era incapaz de fazer muito para resolver o problema e não procuravam realizar mudanças por si mesmos. Nos departamentos liderados por executivos que enquadraram o problema como cultural e não organizacional, pouco foi feito quando se tratava da iniciativa de igualdade de gênero.
Em contra partida, os poucos executivos que não terceirizaram o problema da desigualdade para forças culturais maiores tomaram medidas para mudar as práticas organizacionais. Por exemplo, um líder de um departamento técnico organizou um evento de recrutamento para mulheres e reconheceu mulheres com melhor desempenho em seu processo anual de análise de desempenho.
Uma abordagem organizacional para a igualdade
Treinamentos tendenciosos inconscientes e programas de orientação certamente podem ajudar os funcionários a identificar áreas de viés e trabalhar para mudá-las, mas as organizações não devem parar por aí. Os agentes de mudança na área de tecnologia também devem concentrar esforços em contrariar normas culturais e sociais mais amplas, começando por tornar seus próprios procedimentos organizacionais justos e equitativos. Embora o pensamento sobre a desigualdade organizacional possa não ser natural para muitos executivos, os estudiosos identificaram algumas maneiras importantes pelas quais as organizações podem contribuir para – ou mitigar – a desigualdade:
Amplie os esforços de recrutamento
Ao invés de confiar nos canais tradicionais que podem se concentrar em um subconjunto restrito de candidatos qualificados, envolva-se em um fornecimento mais diversificado. Por exemplo, recrute em faculdades ou universidades historicamente negras . Participe de conferências que apresentem mulheres e negros ou organize seus próprios eventos de recrutamento para diversos públicos.
Esclareça os critérios para contratação e avaliação
Pesquisas do Laboratório de Inovação em Liderança para Mulheres da Stanford VMware mostram que a falta de critérios claros pode estereotipar avaliações. Estabeleça critérios transparentes e mensuráveis para avaliar os candidatos com antecedência e mantenha os gestores responsáveis por fornecer aos candidatos um feedback específico. Evite usar critérios vagos ou ambíguos, como “alto potencial”.
Aumente a responsabilidade e a transparência nas decisões de pagamento e promoção
Pesquisas mostram que as organizações que não têm transparência e responsabilidade nas decisões de pagamento e promoção podem experimentar “preconceito de desempenho e recompensa”, onde as recompensas são distribuídas injustamente entre os funcionários, com mulheres e minorias prejudicadas, recebendo menos recompensas do que merecem com base no desempenho. Assim, as organizações devem tomar medidas para garantir que os resultados de remuneração e promoção estejam claramente vinculados ao desempenho dos funcionários.
Além disso, deve-se pensar em direcionamento de projetos e demandas mais complexas. Os projetos são atribuídos aos funcionários aleatoriamente ou existe um processo formal para garantir que os projetos sejam atribuídos de maneira justa? Pense amplamente sobre como garantir que recompensas, reconhecimento e influência sejam alocados de maneira justa. Ao considerar como as práticas organizacionais diárias podem ser aprimoradas, podemos ir além dos programas que buscam abordar apenas os preconceitos travados na cabeça das pessoas e, assim, podemos começar a abordar formas estruturais de preconceito.