No artigo anterior desta série, foi sugerido você contratar preguiçosos e você deve ter entendido o porquê eles te ajudarão a ser mais produtivo. No artigo de hoje, você entenderá o porquê de contratar incompetentes. Boa leitura!
– O QUÊ? Lá vem você de novo com suas ideias malucas. Primeiro, me sugeriu contratar preguiçosos. Agora, incompetentes? Dá um tempo…
– Sim, eu sei que não parece uma sugestão lá muito ajuizada, mas me responda: contratar preguiçosos deu ou não deu resultado?
Eu me referia a uma recomendação que havia feito a ela há algum tempo: contratar preguiçosos.
– Bem, na verdade, deu mesmo. Aquela paralisia gerencial, aquele jeito de empurrar os assuntos com a barriga, aquelas reuniões sem fim, sem pauta, sem decisões, tudo isso está acabando. Os meus preguiçosos não dão bola para a burocracia, para a perda de tempo. Eles são proativos, querem mesmo resolver os assuntos. Querem fazer mais com menos. É… na verdade, eles são ótimos.
– Então pare de esperar pelo profissional perfeito. Confie em mim e contrate incompetentes
– Ok, posso até pensar nisso, mas por favor me explique de onde tirou essa ideia.
– Daqui, olhe — tirei um livro azul fininho da mochila, abri na página 71 e li.
Os livros sobre desenvolvimento de gerentes, por exemplo, imaginam verdadeiramente um ‘homem perfeito’ em seu quadro sobre o ‘gerente do futuro’. Um alto executivo, assim nos dizem, deveria ter capacidades extraordinárias como analista e como profissional que toma decisões. Ele deveria saber lidar com as pessoas e entender as relações de poder e as organizacionais, ser bom em matemática e ter insights artísticos e imaginação criativa. O que se parece desejar é uma genialidade universal, que sempre foi uma raridade. A experiência da espécie humana indica fortemente que a única pessoa que há em abundância é o incompetente universal. Portanto, teremos de admitir em nossas organizações pessoas que, na melhor das hipóteses, se destacam em apenas uma dessas capacidades. E é mais do que provável que lhes falte qualquer talento mais modesto que os outros tenham.
O que minha amiga, Ana Rita, diretora de RH frustrada por não conseguir encontrar no mercado um profissional que atendesse a todas as exigências do perfil do cargo, precisava entender é que suas expectativas, como a maioria das empresas com relação a seus executivos, parecem demonstrar é ela andava à procura de um super-homem, esquecendo-se de que ele já está empregado, é jornalista, trabalha no Planeta Diário, mora em Metrópolis e namora a Lois Lane.
Hoje a vastidão de cursos que cada universidade oferece só demonstra a expansão e o aprofundamento do conhecimento humano.
Não há mais como saber tudo sobre tudo. Resta saber quase tudo sobre quase nada.
Como já em 1966 nos fazia pensar Peter Drucker, o pai da administração moderna, guru dos gurus e autor do texto que li para ela: antes de acreditar em uma genialidade universal, melhor seria acreditar na incompetência universal.
Mais razoável seria esperar de cada profissional uma expertise em um campo muito estreito do vasto espectro do conhecimento humano, ainda que muito bem inserida em sua visão geral do contexto em que ele vive e atua.
Ou seja, um especialista, sim, mas com o conhecimento e o discernimento necessários para poder encontrar sua parte e seu compromisso com o todo.
Será frustrante tentar desenvolver em nós competências para as quais não fomos naturalmente dotados.
E sem que isto signifique uma amarra existencial, é preciso considerar que nossa biografia milita contra nós sempre que tentamos combatê-la.
Somos nós mesmos prova mais que suficiente para demonstrar que há quem nasceu com uma capacidade incrível com as pernas e para dominar uma bola como Ronaldinho Gaúcho ou Falcão no Futsal e outros que tropeçam até na própria sombra.
Marfendas e chavelhos.
A eficiência está diretamente atrelada à aliança entre a capacidade de realização plena e a oportunidade de realizá-la diante do desafio correto.
Ou, em palavras mais simples, para prego, martelo; para parafuso, chave de fenda. Experimente o contrário e compreenderá bem este conceito.
Assim, cabe-nos descobrir quem somos e quem podemos ser, e investir nossas energias não na busca de suprir todas as nossas deficiências (como já colocado, infinitas), mas em desenvolver nossas aptidões naturais.
Neste sentido, infelizmente, tanto empresas quanto escolas tiram nota zero.
Ambas estão profundamente preocupadas em descobrir as deficiências do indivíduo e saná-las a todo custo (e que custo!), ao invés de estimular seus talentos. Para quem tira nota 4 em matemática, dá-lhe recuperação, dá-lhe exame, dá-lhe segunda época e dá-lhe DP. E se dê por feliz de não ter nascido no tempo da palmatória.
Da mesma forma nas empresas, os processos de avaliação 360º, 183º ou 122º, de coaching, de mentoring e os investimentos das verbas de treinamento estão quase sempre concentrados em transformar martelo em chave de fenda.
Aperta, forja, molda e se acaba perdendo o melhor de cada um, criando uma organização de padronizados e bem pouco eficientes marfendas e chavelos.
Se buscamos criar uma organização de alto desempenho, cabe-nos considerar e respeitar cada indivíduo como fonte única de potencial de realização possivelmente recoberta de uma grossa camada de incompetência, é verdade.
Entretanto, esta camada pode ser trazida à tona com a visão correta, com a colocação em prática de atitudes tão simples quanto dar liberdade para ser quem se é, elogiar a boa realização e investir mais no desenvolvimento dos pontos fortes de cada um que no objetivo de transformar o Superman no Chapolin Colorado.
Por fim, é necessário falar do começo.
Contratar incompetentes é parar com processos de seleção baseados num estereótipo contrário à natureza humana.
Contratar incompetentes é não obrigar o candidato a fingir que sabe tudo.
É não exigir que ele tenha feito pós em Marketing, mesmo quando a vaga é para especialista em Direito Constitucional.
É deixar claro que também não são pré-requisitos básicos para qualquer vaga em nossa companhia ter fluência em mandarim, ser enólogo, ter escalado o Everest e estar concorrendo ao Prêmio Nobel de Literatura, bastando – apenas – ser competente naquilo que faz ou fará.
Contratar incompetentes é se contentar em ter em sua equipe o incompetente universal de Drucker, que não voa nem tem visão de raios X, mas é um profissional capacitado para exercer suas funções com excelência, com alegria e com senso de realização pessoal porque ama o que faz e parece mesmo ter nascido para aquilo.
Não perca o próximo artigo: Contrate amadores!