Se você perguntar para qualquer pessoa em qualquer parte do mundo, ela saberá o que é Netflix. A empresa conquistou o mercado mundial em tempo quase recorde e o estilo de trabalho por trás da plataforma de séries e vídeos ganhou destaque. O que foi implementado por eles para se tornarem uma das empresas mais sonhadas em se trabalhar? Patty McCord, Diretor de Talentos da Netflix de 1998 a 2012, compartilha cinco ideias que definiram a maneira como a empresa atrai, retém e gerencia talentos.
Para contextualizar, Patty relata que conversas com dois colaboradores foram fundamentais para fundamentarem a melhor maneira de desenvolver talentos na empresa. A primeira conversa foi com um engenheiro que, antes da crise de 2002, gerenciava outros três engenheiros em sua equipe. Após a crise, ele ficou sozinho no setor, sendo responsável pela entrega de todas as atividades. Para tentar confortá-lo, Patty disse a ele que contrataria pelo menos uma nova pessoa o mais breve possível para ajudá-lo, mas se surpreendeu quando ele disse que não precisava ter pressa, pois preferia trabalhar sozinho ao invés com a antiga equipe. Segundo ele, a maior parte do tempo era focada em consertar os erros dos outros engenheiros, o que o desgastava muito mais do que fazer o trabalho todo sozinho de uma só vez. Nesse dia Patty percebeu que a melhor coisa que você pode fazer para os funcionários – um privilégio melhor que pebolim ou sushi grátis – é contratar bons profissionais para trabalhar ao lado deles.
A segunda conversa foi com Laura, contadora. Ela era uma colaboradora criativa, inteligente e trabalhadora, responsável por criar um sistema para rastrear com precisão o aluguel de filmes afim de controlar o pagamento correto de royalties. Entretanto, ao passo que a empresa se tornou pública, viu-se necessário a reestruturação da equipe com bastante experiência e formação mais consolidada para o desenvolvimento da empresa como um todo. Foi pensado em criar uma posição para Laura, porém perceberam que não seria a coisa certa a se fazer.
Patty então se sentou com Laura e explicou a situação, frisando que, devido ao trabalho espetacular feito por ela, receberia uma indenização proporcional ao sucesso obtido por ela. Para surpresa de Patty, Laura reconheceu que a indenização generosa a deixaria se reestabelecer, se desenvolver e encontrar uma nova carreira. Esse incidente os ajudou a criar o outro elemento vital da filosofia de gerenciamento de talentos: se o objetivo era ter apenas top talents na equipe, era preciso que estivessem dispostos a demitir as pessoas cujas habilidades não se encaixam mais, por mais valiosas que tenham sido suas contribuições.
Com esses dois princípios gerais em mente, moldamos nossa abordagem ao talento usando os cinco princípios abaixo:
1 – Contrate, recompense e tolere apenas adultos totalmente formados
Ao longo dos anos, Patty percebeu que se pedissem às pessoas que confiassem na lógica e no senso comum e não em políticas formais, na maioria das vezes obteríamos melhores resultados e com menor custo. Se você tiver o cuidado de contratar pessoas que colocarão os interesses da empresa em primeiro lugar, que entendem e apoiam o desejo de um local de trabalho de alto desempenho, 97% de seus funcionários farão a coisa certa. A maioria das empresas gasta tempo e dinheiro infinitos escrevendo e aplicando políticas de RH para lidar com problemas que os outros 3% podem causar. Comportamento adulto significa conversar abertamente sobre questões com seu chefe, colegas e subordinados. Significa reconhecer que, mesmo em empresas com políticas de RH, essas políticas são frequentemente contornadas à medida que os gerentes e seus relatórios elaboram o que faz sentido caso a caso.
Como exemplo, Patty relata que após alguns auditores chamarem a atenção para o sistema de férias, algumas mudanças tiveram que ser feitas. Ao invés de mudarem para um sistema formal, seguiram na direção oposta: os funcionários eram instruídos a escolher o tempo que julgassem apropriado para saírem de férias, através de um acordo com o gestor, enquanto trabalhadores horistas em call centers e armazéns receberam uma política mais estruturada.
Em paralelo, o RH fornecia algumas orientações. Se o colaborador trabalhava em contabilidade ou finanças, não seria adequado sair durante o início ou o final de um mês. Se o colaborador quisesse tirar os 30 dias seguidos, precisava se reunir com o RH para organizar. Algumas pessoas se preocupavam se o sistema seria inconsistente – se alguns chefes permitiriam toneladas de tempo de folga enquanto outros seriam mesquinhos. A realidade é que em qualquer organização, os funcionários com melhor desempenho e mais valiosos têm mais margem de manobra.
2 – Diga a verdade sobre o desempenho
Patty relata que as revisões formais foram eliminadas e, como consequência, pediam aos gerentes e funcionários que conversassem sobre o desempenho como parte orgânica de seu trabalho. Em muitas funções – vendas, engenharia, desenvolvimento de produtos – é bastante óbvio o desempenho das pessoas. À medida que as empresas desenvolvem análises melhores para medir o desempenho, isso se torna ainda mais verdadeiro. Construir uma burocracia e elaborar rituais em torno da medição do desempenho geralmente não o melhora.
As análises tradicionais de desempenho corporativo são motivadas principalmente pelo medo de litígios. A teoria é que, se você quiser se livrar de alguém, precisará de uma trilha em papel documentando um histórico de fracas conquistas. Em muitas empresas, os de baixo desempenho são colocados em “Planos de melhoria de desempenho”. Quando pararam de fazer avaliações formais de desempenho, instituímos avaliações informais de 360 graus, de maneira razoavelmente simples: as pessoas foram solicitadas a identificar coisas que os colegas deveriam parar, iniciar ou continuar. No começo, usamos um sistema de software anônimo, mas com o tempo passamos a receber feedback assinado e muitas equipes mantiveram seus 360 graus frente a frente.
3 – Os gerentes são os responsáveis pela criação de grandes equipes
Em seu trabalho de consultoria, Patty relata que pede aos gerentes que imaginem um documentário sobre o que sua equipe está realizando daqui a seis meses e assim pergunta: que resultados específicos eles veem? Como o trabalho é diferente do que a equipe está fazendo hoje? Em seguida, pede que pensem nas habilidades necessárias para tornar as imagens no filme em realidade. Em nenhuma parte dos estágios iniciais do processo eu os aconselho a pensar na equipe que eles realmente têm. Somente depois que eles tiverem feito o trabalho de prever o resultado ideal e o conjunto de habilidades necessárias para alcançá-lo, eles deverão analisar se a equipe existente corresponde ao que eles precisam.
Se você está em um ambiente de negócios em rápida mudança, provavelmente está observando muitas incompatibilidades. Nesse caso, você precisa ter conversas honestas sobre permitir que alguns membros da equipe encontrem um lugar onde suas habilidades sejam mais adequadas. Você também precisa recrutar pessoas com as habilidades certas.
Patty relata ainda que passaram por um desafio quando a Netflix, de uma maneira bastante dramática, começou a mudar de DVDs por mail para um serviço de streaming. Tivemos que armazenar grandes volumes de arquivos na nuvem e descobrir como um grande número de pessoas poderia acessá-los de maneira confiável. Segundo algumas estimativas, até um terço do pico do tráfego residencial da Internet nos EUA é proveniente de clientes que transmitem filmes da Netflix. Portanto, era necessário encontrar pessoas profundamente experientes em serviços em nuvem que trabalhavam para empresas que operam em escala gigante.
A política de remuneração ajudou muito nesse cenário. Durante o mandato de Patty, a Netflix não pagou bônus de desempenho, porque acreditavam que eles seriam desnecessários se você contratar as pessoas certas. Se seus funcionários forem adultos totalmente formados que colocam a empresa em primeiro lugar, um bônus anual não os fará trabalhar mais ou com mais inteligência. Também acreditavam no salário baseado no mercado e diriam aos funcionários que era inteligente entrevistar os concorrentes quando eles tivessem a chance, a fim de obter uma boa noção da taxa de mercado de seus talentos. Muitas pessoas de RH não gostam quando os funcionários conversam com os recrutadores, mas Patty sempre dizia aos funcionários para atender, perguntar quanto e enviar o número, pois são informações valiosas.
Além disso, usamos compensação de capital de maneira muito diferente da maioria das empresas. Em vez de considerar as opções de ações além de um salário competitivo, foi permitido que os funcionários escolhessem quanto (se houver) de sua remuneração seria na forma de patrimônio líquido. Se os funcionários quisessem opções de ações, os salários seriam reduzidos de acordo. Dessa forma, a empresa acreditava que eles eram sofisticados o suficiente para entender as compensações, julgar sua tolerância pessoal a riscos e decidir o que era melhor para eles e suas famílias. Além disso, as opções podiam ser trocadas imediatamente. A maioria das empresas de tecnologia tem um cronograma de aquisição de quatro anos e tenta usar as opções como “algemas de ouro” para ajudar na retenção, mas não pensavam que isso fazia sentido. Se você encontrar uma oportunidade melhor em outro lugar, poderá pegar o que ganhou e sair. Se você não quiser mais trabalhar na Netflix, não era a intenção mantê-lo refém.
Assim, ainda era dito aos gerentes que construir uma grande equipe era a tarefa mais importante. Não os avaliavam se eram excelentes treinadores ou mentores ou se a papelada era feita a tempo. Grandes equipes realizam um excelente trabalho e o recrutamento da equipe certa era a principal prioridade.
4 – Líderes possuem o trabalho de criar a cultura da empresa
Patty explica que quando aconselha os líderes a moldar uma cultura corporativa, costuma pontuar três problemas principais. A incompatibilidade entre os valores que pregamos e os comportamentos que estão sendo modelados/incentivados é um deles. É um problema específico nas empresas iniciantes, nas quais há um prêmio pela casualidade que pode ser contrário ao espírito de alto desempenho que os líderes desejam criar. Os trabalhadores percebem quando um líder não está totalmente preparado e que depende de charme, QI e improvisação, o que também afeta o desempenho deles. É uma perda de tempo articular ideias sobre valores e cultura se você não modelar e recompensar comportamentos alinhados com essas metas.
O segundo erro tem a ver com garantir que os funcionários entendam as alavancas que impulsionam os negócios. Mesmo se você contratou pessoas que desejam ter um bom desempenho, precisa comunicar claramente como o a empresa ganha dinheiro e quais comportamentos impulsionarão seu sucesso. Na Netflix, por exemplo, os funcionários costumavam se concentrar muito no crescimento de assinantes, sem muita consciência de que as despesas costumavam ir além: estávamos gastando grandes quantias comprando DVDs, estabelecendo centros de distribuição e encomendando programação original, tudo antes de receberem um centavo dos novos assinantes. Os funcionários precisavam aprender que, embora a receita estivesse crescendo, o gerenciamento de despesas realmente importava.
O terceiro problema é algo chamado de “startup de personalidade dividida”, segundo Patty. Nas empresas de tecnologia, isso geralmente se manifesta como uma cisma entre os engenheiros e a equipe de vendas, mas pode assumir outras formas. Na Netflix, por exemplo, às vezes era necessário lembrar às pessoas que havia grandes diferenças entre a equipe profissional mensalista na sede e os trabalhadores horistas nos call centers. A certa altura, a equipe financeira queria mudar toda a empresa para pagamentos diretos e foi necessário salientar que alguns dos funcionários horistas não tinham contas bancárias. Esse é um pequeno exemplo, mas fala de um ponto maior: como os líderes constroem a cultura de uma empresa, precisam estar cientes de subculturas que podem exigir gerenciamento diferente.
5 – Os gerentes de bons talentos pensam primeiro como empresários e inovadores e como os últimos profissionais de RH
Patty conta que durante 30 anos nos negócios nunca viu uma iniciativa de RH que melhorasse a moral. Os departamentos de RH podem dar festas e distribuir camisetas, mas se o preço das ações estiver caindo ou os produtos da empresa não forem considerados bem-sucedidos, as pessoas nessas festas reclamarão em silêncio e usarão as camisetas para lavar seus carros.
Em vez de líderes de torcida, os gestores devem pensar em si mesmos como empresários. O que é bom para a empresa? Como comunicamos isso aos funcionários? Como podemos ajudar todos os trabalhadores a entender o que queremos dizer com alto desempenho?
Aqui está um teste simples: se sua empresa possui um plano de bônus de desempenho, procure um funcionário aleatório e pergunte: “Você sabe especificamente o que deveria fazer agora para aumentar seu bônus?” Se ele não puder responder, a equipe de RH não está deixando as coisas tão claras quanto precisa.