Já entendemos nos artigos anteriores que devemos contratar preguiçosos e incompetentes, mas por que precisamos contratar amadores? Boa leitura!
DESTA VEZ ANA RITA NEM RECLAMOU, sequer piscou os olhos. Só suspirou, me olhou com uma cara de cachorro confuso – sabe, aquela com uma viradinha para o lado – e um sorriso maroto… Ela já estava acostumada com minhas esquisitices.
– Ouquei…. ouquei…, tá bem… tá bem, eu contrato amadores. Mas, pode me fazer o grande favor de explicar o que quer dizer com isto?
Ana Rita é uma grande amiga. Trabalhamos juntos em uma empresa de consultoria executiva internacional há alguns anos. Ela se tornou Diretora de Recursos Humanos de uma empresa com milhares funcionários espalhados por todo o Brasil, eu montei minha própria empresa de consultoria. De vez em quando, diante de algum grande desafio, ela me convida para o almoço e me expõe o problema. Por amizade e em agradecimento pelo convite sugiro minhas soluções.
Na primeira vez, o problema era a mesmice da organização. Tudo era empurrado com a barriga, ninguém decidia nada, as reuniões se multiplicavam mais do que hamsters no cio. Dezenas de comissões, comitês, conference calls, mas decisão mesmo… nada. Recomendei que contratasse preguiçosos.
Não o tipo padrão de preguiçosos, aqueles que querem que o mundo acabe em barranco para morrerem encostados. Não, estes não. Um tipo especial de preguiçosos. Gente inconformada com conformismo. Gente que não aguenta reunião. Não tem paciência com indecisão. Detesta perder tempo útil com atividade inútil, irrelevante e repetitiva. Gente especialista em fazer mais com menos. Herdeiros históricos de todos os grandes inventores. Da roda à escada rolante, do aqueduto à vacina contra a pólio.
Meses depois, um novo convite para almoço e um novo desafio na organização dela. A contratação de preguiçosos tinha dado certo. Muito certo. Certo demais.
A empresa estava crescendo, conquistando novos contratos o que demandava a necessidade de contratar novos gestores. Muitos candidatos apareceram, muito bons inclusive, mas raramente, muito raramente, atendiam as expectativas da empresa. Recomendei que contratasse incompetentes.
A ideia era simples e não era minha. De Peter Drucker. Segundo ele somos todos incompetentes universais. Sabemos, no máximo, muito sobre muito pouco. Ninguém sabe tudo sobre tudo. Daí a necessidade e bom senso de contratar profissionais que dominem seu campo de atuação, mas não todos. Que ter escalado o Everest, ganho uma medalha olímpica em salto em altura e falar 17 idiomas não sejam pré-requisitos para ser gestor da empresa. Afinal, Superman, só um: Clark Kent. E ele já está empregado.
Naquele dia, o problema era o mais sério de todos. Preguiçosos tinham revolucionado a organização, incompetentes tinham consolidado o crescimento, mas como nos diz o segundo versículo de Gênesis, a empresa parecia agora “sem forma e vazia”.
– Falta algo, Cupaiolo, falta algo. Crescemos, conquistamos novos mercados, mas falta algo. Falta algo – lamentou-se minha amiga com uma voz angustiada.
– Contrate amadores! – foi minha recomendação.
Por que amadores?
Falemos do fiasco da seleção na Copa de 2006.
Sei que não é um assunto agradável. Coisa que a gente preferiria esquecer. Mas, como bem nos alertou o filósofo hispano-americano George Santayana, não lembrar o passado é estar condenado a repeti-lo.
Nossa seleção tinha de tudo o que se podia esperar de um time que quer ganhar uma competição. Ou quase. Tínhamos grandes estrelas. Gente muito profissional. Altamente qualificada tecnicamente. Celebridades. Atletas milionários com polpudos contratos para jogar em grandes times, e outros de publicidade para vender todo tipo de produto. De celular a sorvete. Mas naquele dream team, assim como na equipe da Ana Rita faltava algo. Faltavam amadores. Em dois sentidos.
No primeiro, amadores porque que amam o que fazem e por quê o fazem. Gente profissional e competente sim, mas também apaixonada por um ideal a ser realizado através de sua profissão. Como Martin Luther King sonhando com uma nação em que caráter, não cor da pele, fosse o mais importante ou Gandhi na expectativa de uma Índia livre e unida.
Precisamos de gente enamorada por aquilo que fazem. Amadores tão focados, atentos e dedicados a realizar suas atividades profissionais, como um amigo meu que não se importava de pegar 80km de estrada só para ir tomar sorvete com sua namorada.
Pense comigo, entre dois competentes cirurgiões. Um só isto: competente. Altamente profissional. Com uma mente profissional. Um coração profissional. E outro. Apaixonado por aquilo que faz. Qual você escolheria para operar sua filha? Sua mãe? Seu ente mais querido? Em quem confiaria mais, na frieza do profissional-só-profissional, ou no calor, na empatia, na paixão do amador?
Quando tudo parece se resumir a procedimentos, técnicas, recursos tecnológicos, o toque humano de que todos carecemos só pode vir de outro humano.
No segundo sentido, amadores porque exercem suas atividades profissionais da mesma forma com que lidamos com nossos hobbies. Pelo prazer da realização. Com foco no durante em vez de no o que eu vou ganhar com isto. Como um Thomas Edison satisfeito com suas 99 experiências frustradas, pois o ajudavam encontrar a solução correta.
Quantas e quantas vezes me perguntei o que motiva um corredor de maratona. Como entender quem pague uma passagem internacional, vá até Nova York e em vez de curtir a cidade, ir a um show na Broadway, vista um shortinho e uma camiseta num frio do cão e saia correndo. E por quarenta e dois mil, cento e vinte e cinco metros. Tudo isto para, como muito esforço, e pelo menos 2 horas ser só mais um entre 38 mil que conseguirão completar o percurso. Anonimamente. Só isto. E ficar muito feliz apenas porque chegou. Apenas porque conquistou um objetivo com significado pessoal.
Contratar amadores é a forma de construir uma equipe por razões superiores às das simples demandas do mercado.
Tudo começa com descobrir qual a razão pela qual fazemos aquilo que fazemos aqui. Depois, em apresentar esta razão de uma forma clara, para que possa ser aceita como uma causa válida pelos membros da equipe.
Uma razão pela qual as pessoas se apaixonem, uma visão que contribua para a construção de um mundo melhor.
É também encontrar novas pessoas que tenham vínculo existencial com ele.
Ter as pessoas certas, nos lugares certos e pelas razões certas. Por isto, se está faltando algo em sua organização: contrate amadores!
Não perca o último artigo desta série: Contrate velhinhos!